#15 Carta para a Valéria de Caderno Proibido - Alba de Céspedes
Esse livro não fluiu no clube do livro, mas ainda assim tivemos boas conversas!
Querida Valéria,
Quando escolhi Caderno Proibido para o nosso clube do livro, achei que esse seria O livro. Achei que seria o MOMENTO, como disse minha amiga Marina. Mas, curiosamente, foi e não foi bem assim.
Muitas de nós não conseguimos nem chegar ao fim da leitura. Sua escrita — ou melhor, o seu diário — é repetitivo, angustiante, e por vezes até exaustivo. Mas também… como poderia não ser? Talvez esse tenha sido o seu grande ponto, você é uma mulher da década de 50. Minha mãe nem tinha nascido ainda. E mesmo assim, ver emergir suas dores, culpas e silêncios através do processo de autodescoberta da escrita não poderia ser algo mais atual.
Valéria, você é uma personagem difícil. Confesso que em vários momentos tive vontade de te sacudir, cheguei a pensar que você merecia essa vida difícil, que gostava de viver assim. Queria gritar: por que você não faz o que quer, mulher? Por que aceita ser esmagada por essa vida que não te acolhe, não te enxerga, não te permite respirar?
Na época se retirar era uma opção?
Depois da raiva, veio um pouco de compaixão.
Porque entendemos que te faltou muita coisa. Faltou uma amiga verdadeira. Faltou um espaço seguro pra pensar em voz alta. Faltou uma psicóloga que te fizesse as perguntas certas. Faltou ter menos medo do julgamento alheio. O caderno proibido foi um começo, sim — mas talvez não tenha sido suficiente. Você escreveu, mas será que se escutou?
No nosso clube, falamos muito de você. E, no fundo, falávamos de nós mesmas. Do multitasking que ainda é esperado das mulheres, como essa naturalização é usada como armas pelos homens para que eles façam apenas uma coisa de cada vez porque são coitados.
Leia: Mulheres não são melhores em multitarefas. Só trabalham mais.
Falamos do medo da exaustão. Falamos dos sonhos murchos do seu marido bananão. Da culpa de não sermos as esposas\namoradas perfeitas, as mães perfeitas, as mulheres perfeitas — e da raiva que sentimos por ainda nos afetarmos por esses padrões.
Sua relação com seu filho nos fez lembrar dos vídeos sarcásticos sobre “boy moms”, mães que criam príncipes intocáveis e depois não entendem por que eles se tornam homens incapazes de cuidar dos outros (ou de si mesmos). E sua inveja da liberdade da sua filha, a rebeldia que você nunca teve coragem de ter. E, claro, esse sentimento bizarro em relação à sua nora, ela não estava roubando o seu filho… credo!
Ficamos de luto por você, Valéria.
Por não ter ido a Veneza com Guido. Por ter aceitado as condições que te impuseram no final, sem ter vivido seus desejos. E nem me diga que Guido resolveu algo porque todas chegamos a conclusão que aquilo era só uma fuga. Muito triste você ter deixado a vida acontecer com você, em vez de ser parte dela.
Você é um retrato da década de 1950 — porém, percebemos que também é um de hoje. O seu desejo de ter uma individualidade, um canto todo seu, hoje só possuem, talvez, outras roupas, outros nomes.
Espero que esse tipo de vida nunca me encontre.
Mas, se encontrar, que eu tenha coragem de fazer perguntas melhores. Que eu saiba quando parar de escrever no diário — e começar, finalmente, a viver.
Abraços,
Gabrielle